Esse texto é pra você que está se identificando com o feminismo agora, ou pensando em
aderir ao veganismo/vegetarianismo, ou até mesmo pensando em abandonar algum desses
movimentos.
Nos ultimo anos, as pessoas têm apresentado ideias meio distorcidas sobre o feminismo.
Muitas mulheres já me falaram "apoio a causa, mas não sirvo pra luta", "acho o feminismo
interessante, me sinto representada, mas não nasci pra ser ativista", "não tenho tempo pra
ser feminista", entre outras frases. Eu sou vegetariana e essas frases a cerca do feminismo
são bem parecidas com as que eu escuto sobre o vegetarianismo. Todos os dias alguém
me pergunta "foi difícil parar de comer carne?", "você sente falta de alguma receita que leva
carne?". Eu sempre respondo "vegetarianismo não é um peso, é um alívio", porque não fui
eu que escolhi esse movimento: foi ele que me escolheu quando eu não conseguia mais
dormir sabendo que eu estava contribuindo com a morte dos animais. Eu me libertei quando
abracei a luta, e o feminismo é algo bem semelhante. A luta pela libertação das mulheres não é um peso.
Quando nos assumimos feministas, é porque já não conseguimos mais viver numa
sociedade que nos maltrata, nos espanca, nos humilha, nos rebaixa simplesmente por
sermos mulheres. O feminismo não é um rótulo bonitinho pra você colocar na testa e depois
dizer "agora sim, sou feminista, quero meus direitos, espero aguentar a pressão, as
brincadeiras das pessoas, os comentários dos meus amigos".
Quando esse "rótulo" surge,
você já era antes mesmo de assumir isso para as pessoas. E não é um peso ser feminista.
Peso mesmo é aguentar o machismo todos os dias. Peso mesmo é saber que meu estado é
o que mais mata mulheres, que todas saem na rua com medo de serem estupradas. Peso
mesmo é saber que eu trabalho o mesmo tanto que um homem, temos a mesma formação
e ganho bem menos que ele. Isso é um peso. Abraçar (e ser abraçada) por um movimento
que te defende e defende outra pessoa não é uma prisão, é o que te liberta e liberta outras
mulheres. O ativismo, a militância em si, isso, de fato, vem com o tempo e com a sua
disponibilidade, mas não é um empecilho para que você se considere parte dessa luta. A
partir do momento em que você se sente representada com o pensamento "eu posso ser o
que eu quiser, independente do meu gênero" e reconhece que todas as mulheres também
têm esse direito, você já é feminista, mesmo que você não esteja na rua gritando e
levantando um cartaz maneiro.
Apesar de o movimento não ser um peso ou obrigação, não é motivo de orgulho, porque o
feminismo só existe porque há violência contra as mulheres, assim como o veganismo e o
vegetarianismo só existem porque há exploração dos animais. É importante ter isso em
mente para que não venhamos a romantizar algumas causas que surgiram com base numa
opressão.
Por isso, abra seu coração e sua mente para ver o que você sofre e também o que você
causa. Uma vez que você entende (de verdade) o meio cruel no qual estamos inseridos e
que contribuímos pra essa crueldade constantemente, nunca mais você poderá fechar seus
olhos para isso e ignorar o que acontece.
Deixe que isso tome conta de você, da sua alma,
deixe que esse conhecimento te faça buscar libertação. Daí, o resto é natural, até que a sua
única saída será abraçar o movimento, não porque tem alguém do seu lado te obrigando a
isso e sim porque é a única forma de você ter paz e levar essa paz a outras mulheres (ou
aos animais).
É importante, também, enfatizar que você é dona de si, das suas atitudes, das suas
escolhas. Se você entrar pra algum movimento, não é por ser obrigação. E se você precisar
"se afastar", ninguém te obrigará a permanecer. Movimentos de libertação servem para
isso: libertar. Se ele, em algum momento, te adoecer, você merece esse espaço para se
cuidar: no feminismo (ou em outro movimento) terão outras pessoas para seguir firme, ele
não vai acabar porque você saiu, mas só quem pode renovar suas estruturas para continuar
forte é você mesma. Então entenda seus limites, do início ao fim.
Como eu disse, a
libertação não é só para o alvo da sua luta, é também para você, e se ela está te
aprisionando, é contraditório continuar. Isso vale para você que não sabe se muda toda a
sua agenda para se encaixar a programação de protestos, que não sabe se também expõe
o próprio corpo em público porque outra mulher o fez, que não sabe se já entra no
veganismo direto ou se passa pelo vegetarianismo antes ou pra você que já participa do
movimento e percebe que está surtando e precisando de um tempo para você mesma.
O
pensamento essencial é: "tá sendo natural ou eu estou me moldando a algo pra poder
carregar esse rótulo?". Se for a segunda opção, ainda temos muita coisa a trabalhar e
desconstruir aí dentro antes de você se jogar nesses movimentos. A sua saúde mental em
primeiro lugar, e principalmente a sua consciência de luta. O capitalismo já nos aliena o
suficiente (e também estamos no processo de derrubada), não precisamos de mais nada
que aliene alguém.
No mais, é isso. Se depois disso tudo você percebeu que é isso mesmo o que você quer, se
é o que você é, que você está no caminho certo, ótimo, siga com esse pensamento,
independente da sua disponibilidade ou dos seus planos para o futuro, porque uma hora
tudo vai se encaixar. Mas, se você percebeu que nesse momento não é o que você precisa,
não se preocupe: o seu momento ainda vai chegar.
Até lá, estruture sua mente para isso, e
principalmente converse com pessoas que são feministas/veg, que estão nesse processo,
porque nós também estamos em crescimento, evoluindo a cada dia. Todos os dias fazemos
a reflexão sobre estarmos ou não fazendo a coisa certa para os outros, e principalmente
para nós mesmas.
E já dizia Los Hermanos: "se o que eu sou é também o que eu escolhi ser, aceito a
condição".
Escrito por Ana Carolina Oliveira